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Da Possibilidade de Emancipação pela União Estável


Thiago Batista de Carvalho*


O Novo Código Civil de 2002 prevê em seu art. 5º, parágrafo único, as hipóteses de emancipação, ou seja, da antecipação da maioridade, conferindo a capacidade civil àqueles que ainda não atingiram a idade legal.

Antes mesmo, porém, de esclarecer o conceito de emancipação, cumpre ressaltar que o Código Civil de 2002 adotou o critério objetivo de capacidade, ou seja, presume-se que todos aqueles que completarem 18 anos terão sua menoridade cessada e estarão aptos à prática de todos os atos da vida civil, independentemente de sua complexidade intelectual ou compleição. Trata-se, entretanto, de presunção juris tantum de capacidade civil plena, admitindo-se prova em contrário.

Embora a maioridade civil prevista pelo legislador só seja atingida aos 18 anos, o próprio Código Civil estabelece hipóteses de antecipação da capacidade plena, em virtude da emancipação. A emancipação caracteriza-se, portanto, como sendo a possibilidade de antecipação dos efeitos da capacidade civil plena aos menores de 18 anos.

A antecipação da maioridade pode decorrer tanto da concessão dos pais, por decisão judicial, ou ainda, em virtude de alguns atos praticados pelo indivíduo, e dependendo de sua causa ou origem poderá ser classificada como voluntária, judicial ou legal. Esta última decorre de determinados acontecimentos que a lei atribui o efeito da emancipação. O primeiro deles é o casamento.

A primeira espécie de emancipação legal é a emancipação pelo casamento. Em regra, o casamento só é possível àqueles com idade núbil, ou seja, com dezesseis anos completos, exigindo-se a autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Excepcionalmente, é admissível a emancipação legal do menor de 16 anos, quando o juiz autorizar o casamento para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Nas hipóteses de dissolução da sociedade conjugal, pela morte de um dos cônjuges, pelo divórcio ou pela separação judicial, o menor emancipado não retorna ao estado de incapacidade civil que tinha antes do casamento. Já na hipótese de anulação ou nulidade do casamento, a emancipação só persistirá se o matrimônio fora contraído de boa-fé. Portanto, o cônjuge emancipado só retornará ao estado anterior se for comprovado que, ao contrair o casamento, ele conhecia o vício que o inquinava, impedindo a aplicação dos efeitos do casamento putativo.

Com o casamento, o homem e a mulher emancipam-se. A Lei entende que quem constituirá família, com a devida autorização de pais ou responsáveis, deve ter maturidade suficiente para reger os atos da vida civil. Se assim não fosse, criar-se-ia uma situação vexatória para o indivíduo casado que, a todo o momento que necessitasse praticar um ato, precisaria da autorização do pai ou responsável. Para o que assume a direção de um lar, é inconveniente ficar na dependência de vontade alheia.

Nesse contexto surge um conflito entre o positivismo da norma a possibilidade de aplicação dão hermenêutica jurídica, relacionada à possibilidade ou não da emancipação pela União Estável, esta configurada pela convivência pública, contínua e duradoura entre homem e mulher e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Alguns doutrinadores acreditam que apesar de ser a União Estável reconhecida pela Constituição Federal como entidade familiar e merecer proteção do Estado e apesar, ainda, de ser equiparada ao casamento em diversos diplomas legais, não é a mesma hipótese de emancipação legal.

A união estável, no entendimento de grande parte, senão a maioria, das fontes pesquisadas, mesmo amplamente caracterizada entre homem e mulher, sendo um menor, não pode gerar a emancipação do referido menor, visto que o texto da lei foi claro, pois o que gera a emancipação é o casamento, conforme o artigo 5º, parágrafo único, inciso II, do Código Civil, e não a união estável.

De fato, o código Civil não prevê como possibilidade de emancipação a união estável. E o elenco de possibilidades é taxativo, por isso a simples união estável não é justificativa para a emancipação.

Partindo-se desse pressuposto, deve-se fazer uma interpretação mais restritiva e até exegética quanto às hipóteses da emancipação, não cabendo uma analogia ou interpretação extensiva de tais hipóteses.

Por outro lado, admitindo-se por analogia que o Novo Código Civil elevou a União Estável ao mesmo estado do casamento, podemos considerar a menor unida estavelmente, como emancipada.

O conceito geral que rege a analogia é, em termos rápidos, o de que onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito. Muito embora presente o aspecto positivista da norma, pelo qual a lei se perfaz de fonte máxima do direito e de qualquer decisão judicial, vejo que a sua interpretação não pode ser manejada de qualquer forma.

Ora, devendo a família ser protegida por ordem constitucional, pode sim o indíviduo que vive em união estável, sendo pai ou mãe, arcando com sua parte para sustento da família, ser emancipado, seja por uma simples questão de necessidade ou de sobrevivência. Se a constituição deve proteger a família, incluindo-se aí as formadas por união estável, entendo que a interpretação deve ser extensiva. Anote-se o que dispõe o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

A Lei nº. 9.278, de 10 de maio de 1996, regula a previsão do artigo acima transcrito. Vejamos:

Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

NELSON NERY JUNIOR , por seu turno, comenta que a emancipação legal ocorre quando a incapacidade cessa por expressa determinação legal. O § 5º do Código Civil de 2002, é numerus clausus, ou seja, as possibilidades ventiladas pela lei para a emancipação são restritas às descritas neste artigo.

Não seria possível, sob o princípio da legalidade, aventar outra possibilidade de emancipação sem que houvesse previsão legal. Contudo, o Direito acompanha as mudanças sociais. Desta forma, como um dia a união estável fora considerada imoral e hoje está positivada e reconhecida pela legislação brasileira, não duvido que possamos contemplar a união estável como causa de emancipação. O Direito nasce assim, da repetição dos costumes, que é também uma das fontes do Direito, tal como a lei, a jurisprudência e a analogia.

A questão é controversa e portanto, não se pode aplicar afoitamente, a um caso dotado de peculiaridades uma lei para casos aparentemente análogos, não levando-se em conta que uma pequena diferença de fato pode resultar em grandes diferenças de direito. É importante, pois, destacar que a emancipação não opera o milagre de transformar o adolescente em adulto – coisa que nem mesmo a maioridade aos dezoito anos realiza.

Os elementos subjetivos demandam certa análise intrínseca do agente, bem como de sua vida pessoal e estado psicológico. Exemplificando: um adolescente pode ser unido estavelmente, mas absolutamente imaturo e dependente, de modo que todos os seus negócios sejam acompanhados (e até celebrados) por seu pai ou algum parente sob cujo teto conviva ou dependa. Havendo ainda essa presença marcante e fundamental da figura paterna ou materna (ou do representante legal) na vida do menor, e sendo esta presença fundamental para lhe garantir parte do sucesso no empreendimento realizado, estará caracterizada a sua imaturidade e a conseqüente dependência moral ou psicológica, fatores que a meu entender, desde que devidamente constatados e provados, por excepcionais, impediriam a caracterização da dependência, e conseqüentemente, da emancipação prevista no art. 5º, parágrafo Único, do Novo Código Civil.

Conforme o artigo 1.635, II, do Código Civil, a emancipação libera o jovem da submissão ao poder familiar, certamente a característica determinante do instituto. Pelo menos do ponto de vista legal, o emancipado não deve mais obediência a seus genitores, e com isso, o que também se caracteriza pela União Estável, surge a possibilidade da emancipação.

Em decorrência disto, desde que não haja outra restrição legal, passa a ter maior liberdade de ir e vir, assegurado o direito de, inclusive, demandar em juízo, sendo desnecessária a representação dos pais ou do representante legal para a prática de atos.

Em conclusão, o estudo da parte geral do CC me permitiu a ilação de que a capacidade é atributo de toda e qualquer pessoa e que a incapacidade traduz-se em falta de aptidão para praticar pessoalmente atos da vida civil. As incapacidades são estabelecidas para a proteção de determinadas pessoas e suas hipóteses, expressamente elencadas nos artigos 3º e 4º do referido codex, devendo ser interpretadas estritamente, de modo que, se pairar qualquer dúvida quanto à capacidade ou incapacidade do indivíduo, adotar-se-á a capacidade (in dubio pro capacitate). Logo, cessa a incapacidade quando há o desaparecimento dos motivos que a determinaram.

Apesar do meu entendimento, no sentido de que a UNIÃO ESTÁVEL é, de fato, um ESTADO CIVIL, por força do conteúdo do art. 226 da Constituição e de outras normas infraconstitucionais (arts. 1.723/1727 – CC), para a EMANCIPAÇÃO, haverá necessidade de SENTENÇA DECLARATÓRIA DA UNIÃO ESTÁVEL, que deverá, inclusive, ser averbada no Cartório de Registro Civil.


Bibliografia

Nery, Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Gagliano, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil; Parte Geral. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil; Parte Geral. 37. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2000.


*Bacharelando em Direito pela Universidade Regional do Cariri - URCA - Campus Iguatu

Publicado no Fórum Jus Navigandi em 11/12/2008.